sexta-feira, 15 de junho de 2007

BENTO COMPROU PNEUS

CURIOSIDADES JURÍDICAS

Petição inicial em Procedimento Sumaríssimo


Em São Bernardo do Campo (SP) um advogado ingressou em juízo com uma petição inicial em verso, resultando no seu indeferimento, e na Apelação nº 245.748, que (pasmem !) foi provida, como se verá a seguir:

MERITÍSSIMO SENHOR DOUTOR
JUIZ DE DIREITO DA VARA
DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

PNEUS SÃO JUDAS TADEU,
Uma empresa limitada
Pelo advogado seu
De procuração passada.

É empresa, a Deus dá graças
Que de São Bernardo é filha
Pois que gira nesta praça
Na Rua Alferes Bonilha,

Número quatro, dois, sete,
Lá no portão fixado,
Na rua não se repete,
Fácil de ser encontrado.

Vem propor, como de fato,
A Execução presente,
E em sentido mais lato,
Contra devedor solvente.

É réu CARLOS EDUARDO,
E de sobrenome BENTO,
Podendo ser encontrado
Neste Fórum, no momento.

Sua qualificação,
O Autor não tem na lista
Sabe só que profissão
Dessa Casa é motorista.

Esteiada em bom direito
‘ E em fatos sem conflito.
Quer faze-la, sem defeito
Sumaríssima no rito.

Lei Seis, Quatro, Cinco, Oito,
Que nosso Processo acata,
Pois Legislador afoito
Lei antiga a ele adapta.

Dois, Sete, Cinco, o artigo
E demais do bom Processo,
Com o direito em postigo,
Aos fatos temos acesso.

De tanto dirigir auto
Dos outros, oficial,
Pensou o Bento, bem alto,
Ter o meu, que há de mal ?

Realmente, mal não vemos
Se pneus não fosse usar,
Mas sérios senões nós temos
Por usar e não pagar.

Comprando no junho findo,
Até hoje não honrou
E por não ser gesto lindo,
O seu crédito acabou.

Receber não vimos jeito
Por tentativa esgotar,
Daí o presente feito
P’ra Justiça reparar.

Explique-se ao senhor Bento
Que se Santo nome tem
A confusão, num momento,
Com outro Santo também.

PNEUS SÃO JUDAS TADEU,
É empresa comercial
E não “São Judas te deu
Os pneus para o Natal”.

Pneus novos a rodar,
O credor deixado ao léu,
Deixou Bento de pagar
E isso que o faz réu.


Requer sua citação,
Dois, sete, oito e demais
P’ra final condenação,
Com cominações legais

Por provas, dá documentos,
Vem testemunhas propor,
Para reconhecimento
Do seu direito, o autor

Três mil, por valor de alçada
Deverá ter curso o feito
Para assim ser processada
A ação no seu efeito.

A final ser procedente,
Para o devido obter,
Muito respeitosamente,
Sem ninguém desmerecer.


São Bernardo do Campo, 13;10.78
Pp os advºs
(a) Rodolfo Alonso Gonzalez
(b) OAB 21504-SP
(c) Antônio Carlos Cyrillo
(d) OAB 18251-SP
(e) Jarbas Linhares da Silva
(f) OAB 31016-SP








A reação do Juiz é perfeitamente previsível:

Vistos, etc.

A Justiça é Instituição de caráter sério e solene, e a sua provocação não pode ser feita ou admitida através laivos poéticos de Advogado, ainda mais, como nestes autos, recheados de jocosidade.
E cabe ao Juiz, nos termos do inciso III, do artigo 125 do CPC, reprimir tais atos, contrários à dignidade da Justiça. Como expõe HÉLIO TORNAGHI:

“O primeiro fator de confiança na Justiça do
Estado, e mais particularmente no órgão específico
que a distribui, é a respeitabilidade decorrente do
Decoro nas atitudes, da decência nas ações, da
Gravidade na consideração dos problemas, na
Nobreza, no trato, do pundonor, da honra, da altivez,
Da serenidade, enfim, de um complexo que
Busca Aproximar a Justiça dos homens da Justiça

De Deus, fazendo-a à sua imagem e semelhança (...)
Essa dignidade do Judiciário tem de ser
Resguardada dos atos que possam sequer
´ arranha-la, sejam eles das partes, dos
serventuários, testemunhas, peritos,
intérpretes, enfim, de quem quer que atue no
processo” (in Comentários ao Código de
Processo Civil, 2ª ed., RT, 1976, Vol. I, p.
382 e 383).
Indefiro, pois, a inicial.

P. R. I.

S. B. do Campo, 3 de março de 1979

(a) Bráulio Porto Costa, Juiz de Direito


HOUVE RECURSO

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO nº 245.748, da comarca de São Bernardo do Campo, sendo apelante Pneus São Judas Tadeu Ltda., e apelado Carlos Eduardo Bento.
Acordam, em Primeira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso.

1. Inconformado com a decisão que indeferiu a petição inicial da presente ação de cobrança pelo rito sumaríssimo, por entende-la incompatível com a dignidade da Justiça, apelou a autora, visando sua reforma. Regularmente processada a apelação, com a citação do réu, que resposta não ofereceu, subiram os autos.

2. Parece que muito purista foi o Dr. Juiz de Direito, indeferindo a inicial da ação de cobrança pelo rito sumaríssimo, contra o motorista do Fórum dirigida, por vir em verso redigida.

3. Mas, se assim entendeu o Magistrado, por acha-la desconforme ao riscado, podia te-la adaptar mandado, vertendo-a para prosa, o advogado.

4. Entretanto, se a Justiça é coisa séria, que não admite brincadeira, exagero parece que ocorreu, ao indeferir-se a inaugural, da empresa “São Judas Tadeu”, que pretendeu cobrar o que é seu, de quem prejuízo lhe deu, cobrando mas não lhe pagando,mais de um pneu.

5. Tanto mais que, embora regularmente citado, para acompanhar o processado, silente restou o apelado, subindo os autos com o preparo efetuado, aguardando-se, agora, do apelo, o resultado.

Em suma, apesar da jocosidade, inteligível a inicial, não há dificuldade de adapta-la à realidade, de verso para prova, vertendo-a a apelante, para que o processo vá avante.
Daí o provimento do recurso, a fim de que, vertida a petição inicial, de verso para prosa, designe o MM Juiz audiência de conciliação e julgamento, para que tenha a ação normal prosseguimento.
Tomou parte no julgamento o Juiz Carlos Ortiz.

São Paulo, 27 de Junho de 1978

(a) Macedo Bittencourt, Presidente com voto
(b) (a) Jurandyr Nilsson, Relator




(Publicado no Boletim “Serjus-Informe”)

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