domingo, 8 de julho de 2007

HABEAS PINHO

HABEAS PINHO


Em Campina Grande, na Paraíba, em 1955 um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a Polícia, que, nos termos do que dispõem o art. 6º, inc. II, e o art. 11, tudo do Código de Processo Penal, apreendeu o violão, um legítimo “pinho”.
Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Dr. RONALDO CUNHA LIMA, então recentemente saído da Faculdade, poeta e que também apreciava uma baa seresta.
Cônscio cumpridor de seu dever, o dr. Ronaldo foi à presença do Juiz Artur Maia Moura, do Tribunal de Justiça da Paraíba, que lhe sugeriu impetrar, em versos, o remédio legal, no caso, à época, o Pedido de Restituição de Coisa Apreendida (art. 118 e segs. do CPP).
O dr. Ronaldo formulou o respectivo petitório, que ficou conhecido como “Habeas Pinho”, e enfeita as paredes de muitos advogados e bares em praias do nordeste.
Mais tarde, o dr. Ronaldo foi eleito deputado estadual, prefeito de Campina Grande (cassado pela Revolução), senador, Governador do Estado e deputado federal.
Veja, a seguir, a famosa petição do tal “Habeas Pinho”.

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“Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revolver, nem pistola
É simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade
Não matou, nem feriu um cidadão
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão

O violão é sempre uma ternura
Um instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Inexiste entre eles afinidade

O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores

O violão é música e é canção,
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza, é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração

Seu viver, como o nosso, é transitório
Mas seu destino, não, se perpetua
Ele nasceu para cantar na rua
E não p’ra ser arquivo de cartório

Mande soltá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras

Libere o violão, doutor Juiz
Em nome da Justiça e do Direito
É crime, por ventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito ?

Será crime, e afinal, será pecado
Será delito de tãos vis horrores
Perambular na rua um desgraçado
Derramando na praça as suas dores ?

É o apelo que aqui lhe dirigimos
Na certeza de seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, também, deferimento”

Para não ficar atrás, o Juiz deu seu despacho assim:

“ Para que eu não carregue
Remorsos no coração
Determino que se entregue
A seu dono o violão”


(Fonte:
www.espacovital.com.br/asmaisnovas08042003b.htm
Revista “Togas e Becas”
Revista “Voz Ativa”, Junho/98

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