domingo, 15 de julho de 2007

A SENTENÇA DE LAMPIÃO


SENTENÇA DE LAMPIÃO
(Extinção de punibilidade)

Ementa: Homicídios qualificados. Concurso de
pessoas e Concurso Material. Pronún
cia publicada há mais de 50 anos.
Prescrição.Extinção da punibilidade


Sentença


V I S T O S, etc.

O Ministério Público, com atribuições nesta Comarca, denunciou VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, de alcunha “Lampião”, Heleno de tal, de alcunha “Moreno”, Luiz Pedro, Félix Caboge, Antônio Sabiá, Jurema de Medeiros, Chumbinho, Chá Preto, Maçarico e Baraúna, como incursos nas penas do art. 294, § 1º, c/cos arts. 18. § 1º, e 66, § 1º, do Código Penal vigente na época, feito em trâmite pelo expediente da Secretaria desta Comarca, aduzindo, em síntese:

Em mês de maio de 1925, em dia de feira, no Povoado de São Caetano, deste Município, por volta das 10 horas, “Lampião” e seu bando (denunciados) assaltaram de surpresa o aludido Povoado. Os denunciados praticaram mortes e depredação, tendo sido vítimas fatais os Srs. Emiliano Martins, José Teotônio e Ângelo de tal.
Na época dos fatos delituosos descritos na denúncia, o Povoado de São Caetano pertencia ao Município de Flores, atualmente pertencente à Comarca de Betânia, neste Estado.
Requereu o recebimento da denúncia de fls. 02, sendo finalmente pronunciados os réus como incursos nas penas do art. 294, § 1º, combinado com os arts. 18, § 1°, e 66, § 1º, do Código Penal vigente na época. A denúncia foi subscrita pelo Dr. Severino Correia de Araújo, Promotor de Justiça desta Comarca naquela época.
O fato delituoso, narrado na peça inicial de fls. 02, ocorrera em maio de 1925, a denúncia foi proposta em 20 de fevereiro de 1928, tendo sido recebida no dia 22 de fevereiro de 1928. Nos autos de fls. 21/22 vem pronúncia, tendo a denúncia sido julgada procedente em relação aos denunciados VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, HELENO DE TAL, de alcunha “Moreno”, LUIZ PEDRO, FÉLIX CABOGE, ANTÔNIO SABIÁ e JUREMA DE MEDEIROS, e improcedente em relação aos réus Chumbinho, Chá Preto, Maçarico e Baraúna.
O Ministério Público apresentou parecer às fls. 26/28.
Conclusos os autos em data de hoje, passo à decisão.
É O RELATÓRIO.

De acordo com as disposições do Código Penal Brasileiro vigente, os crimes descritos na denúncia seriam hoje tipificados no art. 121, § 2º,. incisos III (crueldade) e IV (recurso que tornou impossível a defesa do ofendido), c/c arts. 29(concurso de pessoas) e 69 (concurso material).
A pronúncia foi publicada em 23 de julho de 1928, conforme certidão de fls. 22. A alusiva pronúncia é de punho do Dr. Humberto Gonçalves Tavares, juiz de Direito desta Comarca, na época.
Tenho que os crimes, que originaram a presente ação penal, foram praticados em uma época que faz parte da História do Nordeste, época em que se proliferou pelos Sertões Nordestinos o fenômeno do cangaço. Atualmente, o Sertão Pernambucano se atormenta coma crescente onda de criminalidade regional, onde assaltos a bancos, a empresas privadas e públicas, seqüestros, plantação e tráfico de maconha e homicídios, são uma constante na vida deste bravo povo. Nas duas últimas décadas grande extensão do Sertão de Pernambuco passou a ser nacionalmente conhecido como o polígono da maconha, no qual é largamente cultivada a droga cannabis sativa linné, conhecida por maconha, os homicídios passaram a fazer parte da rotina, imperando a lei do silêncio e a guerra entre as famílias.
Os crimes da atualidade tem uma grande dosagem de requinte; contudo, a perversidade destes assemelha-se à dos crimes praticados, há mais de 60 (sessenta) anos, pelo maior fora-da-lei que o Nordeste conheceu, VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, o “Lampião”, de fama internacional. Atualmente, os bandidos sertanejos cometem seus crimes, fazendo uso de armas de grosso calibre, agindo de forma organizada, ao contrário do passado, onde a arma mais usada era o bacamarte.
No Nordeste brasileiro, especialmente no Sertão de Pernambuco, as lutas de clãs tem sido uma constante desde os primórdios. O Vale do Pajeú, localizado no alto sertão pernambucano, enquadra-se bem nestas lutas de clãs, vez que, não só os conflitos de aldeias, como também os individuais, tem sido responsáveis por muitos homicídios. Os crimes do passado eram praticados através do bacamarte de pederneira, posteriormente o cruzeta, o papo amarelo, o fuzil, o punhal, a foice e a faca peixeira. Atualmente são praticados com o uso de armas modernas, em muitos dos casos de uso exclusivo do Governo, que chegam aos bandidos através de mãos criminosas.
Assim, o cangaço foi um fenômeno exclusivo do Nordeste, não nasceu por acaso, por intuito próprio dos homens, em sentir prazer em matar o seu semelhante, mas pela falta de uma sociedade que se vinculasse nos bons princípios da lei. Os cangaceiros retratavam-se armados na prática de roubos, homicídios, extorsões, dentre outros tipos penais. Mesclado por tamanha tirania, o sertanejo primitivo, conhecedor de seus parcos limites da ignorância, desvinculado da lei, não encontrando justiça para tamanha vilania, ou seja, para assegurar os seus pretensos direitos, passou a fazê-la com as próprias mãos, sendo juízo de suas causas. Entretanto, este sertanejo primitivo não podia legislar, tão pouco aplicar a lei ao caso concreto, faculdade permitida a nós Magistrados, revestidos das formalidades da lei. Estes homens rudes, ao invés de agirem legalmente pelos caminhos da lei, colocando suas pretensões para apreciação da Justiça, enveredaram pelo caminho da vingança, a qual causou uma série de tragédias, dentre estas a do réu VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA.
Conclui-se, pois, se bem que em pequena intensidade, que esta prática, ainda hoje, persiste, mas os olhos da Justiça tem chegado a todos os recantos do Nordeste, e por que não dizer do País, sem medir dificuldades, para desfazê-la. Atualmente, com a magnânima eficiência da Justiça, é mais fácil para os homens chegarem a um perfeito julgamento dos seus casos sociais, coisa que não aconteceu na época da saga do cangaço.
Nesta terra sertaneja, localizada no Vale do Pajeú, do passado aos dias atuais, emboscar o inimigo, mesmo se tratando de desafeto poderoso, ou matá-lo de tocaia era e ainda é, para muitos, forma de conquistar o poder e retratar a valentia, não se levando em conta a inominável covardia, repudiada pela Justiça e pela sociedade. No passado era comum entre os inimigos avisar até mesmo o dia do acerto de contas. Atualmente estes acertos de contas perduram, através da covardia, traição e surpresa. No início do século, nos anos 20, o bacamarte, o fuzil, o punhal, o lombo dos cavalos e jegues eram as armas e os transportes mais utilizados pelos criminosos. Atualmente são usadas armas de grosso calibre, como fuzil AR-15, granadas e outras armas de uso exclusivo das forças militares, além de espingardas calibre 12 de repetição e revólveres 38, estando a sociedade a usufruir de tecnologia; veículos automotores não são mais novidades e substituiram o lombo dos animais.
VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, antes de formar o seu bando, aproximadamente em 1917 – 1918, fez parte do grupo do Sinhô Pereira, homem de grande coragem e sabedoria, integrante de uma das famílias mais tradicionais do Vale do Pajeú, neste Estado, amigo de infância de Lampião, sendo os inimigos deste, também inimigos comuns de Lampião, uma outra forte razão para que este fosse integrante do grupo daquele. O grupo do Sinhô Pereira era dotado de comando, tinha freio, jamais atacava quem não era inimigo.
Aproximadamente em 1922, com o afastamento espontâneo do Sinhô Pereira do cangaço, Lampião teve oportunidade de chefiar, pela primeira vez, um bando, tendo sido escolhido pelo antigo chefe, por ser dotado de coragem, sabedoria e audácia, bem como por ter dentre seus inimigos quase que a totalidade dos inimigos do Sinhô Pereira. Inicialmente, Lampião permaneceu como observador, tendo porém deixado os seus comandados agirem praticando uma onda de crimes na região.
Ao contrário do grupo a que pertenceu inicialmente, o grupo chefiado por ele não tinha freios, era detentor do desejo do mal. Teve em seu poder forças outras que o impulsionaram, dentre as quais a politicagem praticada por alguns coronéis de sua época, sendo por culpa daqueles que Lampião conseguiu, por 16 anos, reinar impunemente, tornando-se líder do cangaço e conseguindo suplantar a todos que o antecederam. Quando Lampião assumiu o comando do bando, deu a este um novo impulsionamento, direcionando-o para a prática de crimes, posto que, antes, o Sinhô Pereira disciplinava seu bando com severidade e quando assumido por Virgolino, passou esse bando a espalhar o terror por nove Estados nordestinos.
Em Pernambuco, as cidades de Flores, Triunfo e Vila Bela, atualmente Serra Talhada, terra natal de Lampião, e na vizinha Princesa Isabel, localizada no Sertão do Estado da Paraíba, cidade que divide seu território com esta comarca, os assaltos, os saques passaram a fazer parte da rotina de seus habitantes. Muitas vezes, estes se transformavam em tragédias, o de foram ceifadas vidas de muitos inocentes.
Lampião, apesar de não ter tido instrução, era dotado de arguta inteligência, homem muito observador, enxergava onde os olhos dos outros não conseguiam chegar, possuidor de rápido raciocínio, ágil, sendo capaz de traçar metas audaciosas, colocando-as em prática, com pleno êxito, em questão de minutos. Foi um grande empreendedor do terror, dado à prática de crimes, como que parecendo ter nascido para este fim. Ele não foi o único membro da família Ferreira a seguir os passos do cangaço, tinha consigo os irmãos Livínio, nascido em 7 de novembro de 1896, e Antônio, nascido em 15 de julho de 1895. Conta-se neste Sertão Pernambucano que Livínio morreu em 1925, no combate do Tenório, tendo Lampião cortado sua cabeça, para não dar gosto ao inimigo de saber que o havia eliminado
VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, o Lampião, durante 16 anos, reinou nos sertões do Nordeste, enveredando pelas caatingas, deixando por onde passava um rastro de perversidade e praticando tudo aquilo que podia aterrorizar a sociedade sertaneja. Conseguiu valentia através da violência, impôs o medo, a covardia, de modo torpe e vil, como forma de se impor em todo o Sertão Nordestino. Ele empreendeu uma onda nefasta de crimes ao longo de sua trajetória como cangaceiro, porém nem sempre conseguiu concretizar as suas metas, ou, ainda, seus planos não foram bem sucedidos. Tendo, às vezes, encontrado certa presença de espírito desfavorável, teve que recuar, posto que sua empreitada não havia sido recepcionada como o previra. Era um homem prudente, uma verdadeira serpente.
VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA saiu da cidade de Serra Talhada, na época Vila Bela, localizada às margens do rio Pajeú, no Sertão de Pernambuco, para formar seu bando de cangaceiros, espalhando o terror por quase todo o Nordeste. É corrente a história de Virgolino, o maior cangaceiro do Brasil, um dos personagens mais autobiografados deste século, cantado em verso e prosa, fazendo parte do cenário cultural nacional, através das obras literárias, músicas, filmes e novelas, existentes sobre a história do cangaço. Quando se fala do cangaço, Virgolino é o seu maior personagem. Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, no Sertão de Pernambuco e em especial no Vale do Pajeú, é um misto de bandido e herói. Lampião nasceu no Sítio Passagem das Pedras, conhecido também por Ingazeira, localizado nas margens do riacho São Domingos, Município da antiga Vila Bela, atual Serra Talhada, no dia 7 de julho de 1897, filho de José Ferreira dos Santos e de Maria Sulena da Purificação, tendo sido registrado em 12 de agosto de 1900, conforme consta do livro nº 02, fls. 08, do Cartório de Registro Natural, Distrito de Tauapiranga, Serra Talhada (Pernambuco). Lampião, se vivo fosse, teria completado 100 anos em julho passado.
O cangaço proliferou em uma época onde o coronelismo imperava no interior do Nordeste, especialmente neste Sertão de Pernambuco. Lampião foi protegido por muitos poderosos inescrupulosos. Como os bandidos da atualidade, fazia uso de armas e munições de uso exclusivo do Governo. Conta-se nestes lados do sertão que, em 1926, na batalha de “Serra Grande”, localidade de Vila Bela, atual Serra Talhada, Lampião conseguir vencer mais de 300 homens da volante, sem sofrer baixas, tendo em seu bando aproximadamente 100 homens. Durante 16 anos o cangaço dominou o Sertão Nordestino, tendo sido Virgolino Ferreira, “O Lampião”, um dos seus maiores ativistas. Passando para a história como o Rei do Cangaço, como é popularmente conhecido no País, espalhou pelos sertões afora um grande contingente de “foras-da-lei”.
Conta-se, no Sertão Pernambucano e nas obras literárias, que Virgolino Ferreira da Silva recebeu a patente de Capitão das mãos do também conhecido Padre Cícero Romão, consagrado pelos nordestinos como o “Santo do Nordeste”. Conta-se que em certo dia, tendo Lampião chegado a Juazeiro, sertão do Ceará, mandou avisar ao Padre Cícero, que providenciara hospedagem para este e seu bando, tendo chamado Pedro de Albuquerque Uchoa, inspetor agrícola do Ministério da Agricultura, para que expedisse uma patente de Capitão para Virgolino. O Decreto foi expedido e assinado pelo funcionário, que, mesmo sabendo não ter validade, tratou de cumprir a ordem dada pelo Padre do Juazeiro. Lampião foi condecorado Capitão, porém esta patente nunca foi reconhecida pelas autoridades de sua época, ante a forma e por quem foi expedida.
Durante o cangaço nasceu o xaxado, dança bastante difundida por Lampião e seu bando, que aproveitavam os intervalos de suas badernas para soar a sanfona. A cabroeira divertia-se, dançando o xaxado.
Durante mais de uma década, o Sertão Nordestino, especialmente o pernambucano, nas margens dos rios Pajeú e São Francisco, foi palco de inúmeras batalhas, envolvendo os cangaceiros comandados por Virgolino e os grupos de soldados da volante. Atualmente esta mesma terra sertaneja é palco de outras batalhas, as batalhas de combate aos plantios e tráfico de maconha, aos assaltos, seqüestros, homicídios e outros crimes. O Sertão Pernambucano está povoado de plantações de maconha, de grupo de bandidos que insistem em permanecer no crime, mesmo diante da ação policial e judicial. A polícia vem enfrentando constantemente os plantadores de maconha, erradicando inúmeras plantações da droga, mesmo diante da precariedade das condições em que trabalha. As Polícias Federal, Civil e Militar vem conseguindo bons resultados. Cuido que ainda falta muito para que o crime seja totalmente erradicado nesta terra sertaneja.
A polícia de meio século atrás combatia os cangaceiros, usando as mesmas armas que estes usavam, em igualdade. Atualmente, o crime organizado é muito mais inescrupuloso, poderoso, superando as ações policiais. Anos após à morte de Lampião, teve fim o ciclo do cangaço; porém, o Sertão continua à espera de uma solução, para que seus habitantes possam exercer o seu direito de locomoção, que se encontra ameaçado, com a crescente criminalidade no Sertão, direito este previsto na lei maior,no art. 5º, inciso XV, que expressa: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da Lei, nele entrar ou dele sair com seus bens”. Em algumas cidades do Sertão de Pernambuco a guerra entre famílias leva a população a se resguardar no interior de seus lares, só saindo à noite em caso de extrema necessidade. Ademais, hoje em dia, trafegar pelas rodovias nacionais, em Pernambuco, e em especial nas rodovias do Sertão, das 18 horas ao amanhecer é lançar-se à ação da bandidagem, é um verdadeiro risco de vida, pois os assaltos a veículos de cargas, particulares e coletivos, tornaram-se uma rotina.
As obras literárias que narram a saga do cangaço, a história de Virgolino Ferreira da Ssilva, mostram que na manhã do dia 8 de julho de 1938, uma quinta-feira, por volta das 4 horas da manhã, na localidade de Grota de Angicos, localizada às margens do rio São Francisco, o Velho Chico, que já serviu de cenário para muitos poemas, houve o ataque fatal. Do lado esquerdo do rio, fica o Estado de Alagoas, e do lado direito, o Estado de Sergipe, onde se localiza a Fazenda Angicos, situada no município sergipano de Porto da Folha. A Grota do Angico serviu de palco para a última batalha de Lampião, Rei do Cangaço, posto que, nesta, foram o Capitão Virgolino Ferreira e seu bando despertados por uma chuva de balas, deflagrada pelo grupo de soldados da volante chefiada pelo Capitão João Bezerra, do Segundo Batalhão de Polícia de Alagoas, com sede em Palmeira dos Índios (Alagoas). Nesta sombria manhã terminava o reinado de Lampião, o Rei do Cangaço. A história da morte do bandoleiro mais conhecido do País correu os quatro cantos do Nordeste, sendo notícia em todo o País. Uns receberam-na com satisfação; outros sentiram tristeza. Algumas obras narram que, juntamente com Lampião, foram mortos mais de 10 cangaceiros, dentre os quais: Luiz Pedro, Mergulhão, Cajarana, Tempestade, Elétrico, Quinta-Feira e Erundina, mulher do cangaceiro José Sereno, que escapou a tempo, além da amada do Rei do Cangaço, Maria Adelaide, conhecida por Maria Bonita.
Conta-se, ainda, que Maria Bonita teve sua cabeça decepada mesmo com vida. Onze cangaceiros mortos em Angico tiveram suas cabeças degoladas, sendo expostas por várias cidades alagoanas, como verdadeiros troféus macabros. Dentre estas cabeças, estavam as de Lampião e sua amante Maria Bonita.
Já se passaram mais de 60 anos da data da morte de Virgolino Ferreira da Silva; porém, a distância dada pelo tempo não selou a boca do povo, especialmente do sertanejo.
As histórias de espanto, sangrentas, que cercaram a lendária figura de Lampião, o maior fora-da-lei de que se tem notícia no Nordeste, ainda vivem. Os velhos de hoje repassam para os jovens as histórias ouvidas no passado, histórias dos combates que envolveram Lampião e os soldados das volantes, histórias dos massacres, das humilhações que Virgolino impunha aos seus inimigos, dos saques, das mortes, do terror praticado pelo bandoleiro
No vale do Pajeú, especialmente em Serra Talhada (Pernambuco), antiga Vila Bela, terra natal de Virgolino, e em Triunfo (Pernambuco), cidade turística, a história do cangaço e de Lampião se encontra viva, através dos grupos de xaxados e dos museus, onde jovens e estudiosos a divulgam e a mantém viva por meio da música, da dança, da arte e da literatura. A cidade de Serra Talhada está localizada no Vale do Pajeú, alto Sertão Pernambucano, cidade de clima quente, com aproximadamente 80 mil habitantes, berço de Lampião, conhecida como Capital do Xaxado. Serra Talhada de hoje é comarca de 2ª entrância, com três varas, 1ª e 2ª Vara Cível e Vara Criminal. Triunfo, cidade de clima frio, uma verdadeira Suíça Sertaneja, histórica, de velhos sobrados, comarca de 1ª entrância, com vara única, está a 1.010 metros de altitude.
O sertanejo é de índole ordeira e só em circunstâncias fora do comum muda de lado, passando para o lado criminoso. No passado, as questões atinentes à terra, honra de família e exacerbações políticas eram as mentoras dos homicídios; hoje, acrescido a estes motivos, o Sertão Pernambucano, especialmente no Vale do Pajeú e às margens do rio São Francisco, está povoado pelas plantações de maconha, popularmente chamadas, na região, de roças, aumentando deste modo o índice de crimes.
Temos no Código Penal, no art. 109, o instituto da Prescrição, que nada mais é que a perda do poder de punir do Estado, causada pelo decurso de tempo fixado em lei.
A Lei Penal, em seu art. 109, prevê que, antes de transitar em julgado a sentença, a prescrição é regulada pela pena máxima cominada ao crime. Sendo assim, o fato delituoso narrado na denúncia tem pena máxima in abstracto de 30 (trinta) anos, pelas diretrizes do Código Penal Brasileiro atual.
O Dr. EDUARDO LUIZ SILVA CAJUEIRO, Promotor de Justiça desta Comarca, em pronunciamento de fls. 26/28, requer a decretação da extinção da punibilidade pela prescrição.
A partir do momento em que se realiza o delito, surge para o Estado o interesse em punir. A lei fixa um prazo máximo, para que o Estado exerça a sua pretensão em punir, conforme a pena máxima cominada ao delito.
Com a prática de um delito, vem a punibilidade, que é o direito de se aplicar a sanção correspondente a este. O Estado, enquanto titular do direito de punir, solicita ao Poder Judiciário que se torne concreta a aplicação do direito ao fato. Desta forma, é estabelecida a relação jurídico-punitiva, que irá dirimir o conflito de interesses entre o direito de aplicação da sanção pelo Estado. Da data da prática do fato delituoso até à aplicação da sanção, este prazo está submetido a interrupção e suspensão, e se não for aplicada a sanção no prazo prefixado na lei, ocorrerá a prescrição da pretensão punitiva, comumente chamada de prescrição da ação penal.
O fundamento da prescrição repousa na circunstância de que a ação temporal faz surgir o interesse do Estado, não só em apurar a infração penal, também como na sua pretensão de executar a sanção imposta.
Para o mestre FREDERICO MARQUES, a prescrição penal é a perda do direito de punir pelo não-uso da pretensão punitiva, durante certo espaço de tempo (cf. Curso, cit., 1956, p. 412)
A lei concede ao Estado o direito de punir, quando do cometimento de um delito, impondo ao infrator a sanção descrita no tipo. Existem, contudo, na lei, situações que impedem a persecutio criminis, ou tornando sem efeito a condenação aplicada. Dentre as causas que encerram o poder do Estado em aplicar a sanção descrita no tipo legal do delito praticado, há causas de extinção geral, também chamadas de causas comuns, podendo estas ocorrer em todos os tipos penais, estando enquadradas nestas causas a morte do agente, a prescrição, dentre outras. Existem, ainda, as causas denominadas causas especiais, que estão relacionadas a determinados delitos, a exemplo a retratação do agente, nos crimes contra a honra, o casamento do agente com a ofendida em determinados delitos contra os costumes, etc. Ocorrendo a prescrição, a pretensão do Estado é extinta diretamente, sendo, portanto, atingido o direito de ação por conseqüência.
A prescrição da pretensão punitiva extingue a punibilidade. O Estado perde o direito de invocar ao Poder Judiciário que este aplique o Direito Penal objetivo ao caso concreto, posto para julgamento.
O art. 107 do Código Penal enumera, em seus nove incisos, as principais causas de extinção da punibilidade, porém não é taxativo, existem causas outras, não enumeradas no aludido dispositivo. NELSON HUNGRIA (apud BASILEU GARCIA, Instituições, cit. 2, p. 654) lembra a restituição in integrum, no caso de subtração de menores (C.P., art. 249, § 2º). Devemos analisar ainda o ressarcimento no peculato culposo (C.P,.art. 312, § 3º, 1ª parte), bem como a morte da vítima, nos delitos de induzimento a erro essencial e alteração de impedimento (C.P., art. 236). Ademais, existem as causas extintivas condicionadas, isto é, a suspensão condicional da pena e o livramento condicional.
A prescrição do jus persequendi in judicio ocorre antes da prolação da sentença definitiva, enquanto a prescrição do jus puniendi dá-se após o trânsito em julgado do decreto condenatório, vez que, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, surge o título penal, devendo, porém, este ser executado dentro de um certo espaço de tempo, variando de acordo com a sanção aplicada, e, se não executado dentro deste lapso temporal, perde o seu valor executório, prescrevendo.
A punibilidade também se extingue pela morte do agente, conforme o art. 107, I. As obras literárias dão conta de que VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA foi assassinado no dia 28 de julho de 1938, na Grota de Angicos (Sergipe), porém nos autos presentes não consta Certidão de Óbito do réu, tão pouco dos demais pronunciados, sendo um dos requisitos exigidos para decretação da punibilidade pela morte do agente que conste nos autos Certidão de Óbito do agente, no original. Desta forma, tenho que existe a extinção da punibilidade pela prescrição, e não pela morte do agente, por faltar-lhe um dos requisitos legais, que é a juntada aos autos de Certidões de Óbito dos réus.
A extinção da punibilidade é o freio imposto pela lei ao Estado, quando não exerce o seu direito em determinado espaço de tempo, de acordo com a sanção a ser aplicada ao delito, desde que ocorra determinada causa, estando estas causas relacionadas no art. 107 do Código Penal.
A pronúncia é uma das causas de interrupção da prescrição, segundo as diretrizes do art. 117, II, do Código Penal. Nos autos presentes foi a pronúncia publicada em 25 de julho de 1928. Portanto, decorrido mais de meio século, os réus não foram julgados pelo Egrégio Tribunal do Júri desta Comarca em tempo hábil.
Os crimes descritos na denúncia se encontram prescritos há mais de meio século, não restando outra alternativa a este Magistrado senão decretar a prescrição e conseqüentemente, a extinção da punibilidade, uma vez que o instituto da prescrição é de ordem pública, podendo ser decretada em qualquer fase do inquérito ou da ação penal, de ofício ou a requerimento das partes, pelo juízo da instância inferior ou da superior, quando reconhecida, dependendo da competência. Com a declaração da prescrição, extingue-se a punibilidade, sendo defeso analisar-se o mérito da causa.
Nos autos presentes existe um decurso de mais de meio século da data da publicação da pronúncia até a data atual. Portanto, só me resta uma alternativa: declarar a extinção da punibilidade pela prescrição.

D_E_C_I_D_O,

Ante o exposto, pelo contido nos autos, com amparo no art. 107, IV, c/c art. 109, I, do Código Penal Brasileiro, DECRETO POR SENTENÇA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, pela prescrição, da pretensão punitiva do Estado, em relação aos réus VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, de alcunha "LAMPIÃO", HELENO DE TAL, de alcunha "Moreno", LUIZ PEDRO, FELIX CABOGE, ANTÔNIO SABIÁ e JUREMA DE MEDEIROS, qualificados na denúncia.
Cumpridas as formalidades legais, com as cautelas da lei, arquive-se.
Sem custas.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.

Flores-PE, 17 de outubro de 1997

Bel. Clóvis Silva Mendes
Juiz de Direito da 1ªa Vara Cível da
Comarca de Serra Talhada,
no exercício cumulativo da Comarca de
Flores

(in Revista "In Verbis", do Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB), nº 26, págs. 40 e segs)

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